sábado, 24 de maio de 2008

Crítica Cinematográfica nº 6.


Vestida para Matar (1980), de Brian De Palma

Brian De Palma é um cineasta de homenagens. Todo o seu cinema está carregado de referências doutros cineastas ou dele próprio (dos seus filmes). Não que isso seja um ponto negativo a seu favor, porque na minha perspectiva, penso que até é positivo, pois torna os seus filmes interessantes e fascinantes. Uma dessas referências, sem dúvida alguma a maior de todas, é Alfred Hitchcock. Seja por movimentos, ângulos, pontos de vista ou perspectivas de câmara, seja pela montagem, o Mestre do Suspense está presente em todos os seus filmes. Referência que o próprio realizador assume, segundo o que alguma crítica americana considera como um uso abusivo das homenagens a Hitchcock, copiando até cenas inteiras e com isso não trazendo nada de novo aos seus filmes. Críticas injustas a um dos melhores e mais importantes film-makers da sua geração. É muito estudado nas escolas de cinema, nos dias que correm, pela sua forma muito especial, extremamente técnica, de filmar.
Vestida para Matar é claramente uma das suas homenagens ao Mestre. Um thriller sensual, erótico quase, com um toque de film noir. Kate Miller é uma dona de casa amargurada e frustrada sexualmente. Uma frustração, que desabafada com o seu psiquiatra e amigo Dr. Robert Elliott, a leva a cometer adultério com um desconhecido, para quebrar a rotina que a sufoca. No seu regresso a casa é brutalmente assassinada por uma misteriosa transexual loura, toda vestida de negro. Este crime hediondo é testemunhado por uma prostituta de luxo, Liz Blake, que passa a ser o novo alvo desta estranha assassina.
Mas as aparências iludem. O realizador dá extrema importância aos detalhes, provocando o espectador para uma redobrada atenção. Estes detalhes são-nos mostrados através da sua técnica fílmica, com por exemplo o enquadramento dividido ao meio, e da montagem. Outra das grandes marcas registadas do realizador e uma das suas homenagens a Hitchcock é a cor loura do cabelo das suas protagonistas.
A morte é uma presença habitual em De Palma. É mais uma das formas de desafio às percepções do público que o realizador propõe. A morte tem aqui a função de elo de ligação entre a personagem que morre e a personagem que testemunha a sua morte. Essa ligação emocional é introduzida através do zoom simultâneo dos olhos de ambas as personagens, como se a transmissão dum terrível tormento, neste caso, a morte duma reflectir-se-á na vida da outra.
Uma das situações interessantes neste filme é o facto de ter cuidado com o que se deseja, ou com o que se sonha, pois pode perigoso de alguma maneira. Passando a explicar: a personagem principal, Kate, morre por ter realizado as suas fantasias sexuais, por ter transgredido a sua rotina. Por outro lado, a prostituta Liz tem sexo a mais na sua rotina e quando se refugia numa vida mais pacata, após o susto, começa a ter sonhos em que aparece morta às mãos da assassina de Kate. Esta troca de papéis sociais tem uma força de ligação, a transexual assassina loira, o ponto de equilíbrio entre as duas mulheres. Esta gracinha irónica operada por De Palma mostra a sua visão peculiar sobre o sexo oposto.
Outro tema presente no filme é a transexualidade. Provavelmente a primeira vez que um cineasta abordou este assunto tabu para a sociedade conservadora estado-unidense num filme, embora duma forma subtil.
Vestida para Matar é uma interessante obra voyeurista que mostra exactamente porque que caminho trilha Brian De Palma, um cineasta por vezes não apreciado ou não entendido por alguns seus compatriotas críticos. Sem dúvida um realizador marcante no cinema estado-unidense de suspense.



(04-01-2007)

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