À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino
À Prova de Morte é a sexta longa-metragem, em nome próprio, de Quentin Tarantino, um dos mais brilhantes realizadores estado-unidenses da sua geração. Um cinéfilo e amante da sétima arte como poucos, que transporta toda essa cultura cinematográfica para os seus filmes, criando imagens de marca, verdadeiros símbolos, características que o tornam num digno exemplo do cinema de autor. Entre as suas inesquecíveis obras, destacam-se Pulp Fiction (1994) e as duas partes de Kill Bill – A Vingança (2003-2004). Os diálogos são uma das suas maiores marcas cinematográficas. As temáticas giram sempre á volta de personagens fora-da-lei, onde a violência tem um papel importante. Reflexo duma sociedade violenta, num país dito desenvolvido e civilizado, proclamador da terra da liberdade. A linha narrativa de À Prova de Morte é bastante simples. Um duplo de cinema de filmes de série B assassina 5 raparigas com o seu carro à prova de morte, num violento acidente. Meses mais tarde repete a mesma brincadeira com outras raparigas. Mas desta vez, ele nem sabe no que se foi meter nem o que o espera.
Tarantino é daqueles realizadores que se parece com uma faca de dois gumes. Ou se ama ou se odeia (os seus filmes, entenda-se) e À Prova de Morte é um perfeito exemplo disso. Um filme que a crítica especializada venerou e ao mesmo tempo menosprezou. Mas afinal o que nos traz de novo esta obra do realizador estado-unidense? É exactamente o que queremos descobrir.
Primeiro que tudo, À Prova de Morte é uma clara homenagem ao cinema de série B, cinema de baixo orçamento que se fazia nos anos 60 e 70, sem algum propósito artístico e que explorava temáticas sensacionalistas, algumas delas bastante chocantes ou mesmo tabu, como o sexo e a violência, de forma muito gráfica e explícita e que não passava no cinema mais comercial da altura. Este tipo de filmes passava nos antigos cinemas de bairro (ou cine-teatros), muitas vezes em sessões duplas contínuas. As salas que projectavam este tipo de filmes passaram a denominar-se Grindhouse, um vocábulo sem tradução para outras línguas, que passou a caracterizar este tipo de cinema. Os géneros eram os mais variados possíveis, desde western spaghetti, eróticos, horror, crime, mistério, filmes de canibais, de kung fu, de motoqueiros e de carros, zombies, mulheres na prisão, etc. Outra característica deste tipo de filmes era a qualidade da fita, que reflectia a qualidade do filme. Os riscos e a falta de fotogramas eram constantes, devido ao desgaste da fita provocado pelo extremo uso. Note-se que À Prova de Morte pertence à segunda parte da sessão dupla de cinema Grindhouse. A primeira parte foi assegurada pelo grande amigo de Tarantino, Robert Rodriguez (que o convidou para este projecto), com um filme de zombies chamado Planet Terror (2007).
Mas as homenagens não se ficam por aqui. As referências a filmes e séries de culto são uma constante. Exemplo disso é a conversa de Stuntman Mike com algumas raparigas no bar, sobre os filmes em que tinha participado como duplo, dos quais as raparigas desconheciam por absoluto. Outras referências são os seus filmes. O carro amarelo e preto que aparece na segunda parte do filme é uma clara alusão ao fato usado por Uma Thurman em Kill Bil: Vol. 1 – A Vingança (2003). Outra das marcas autorais, que já foi mencionada acima, e talvez a mais importante de todas e a que mais sobressai nos seus filmes: os diálogos. A palavra em Tarantino é fundamental. Os diálogos são simples, banais e ao mesmo tempo sofisticados, cheios de repetições, com bastante calão e humor à mistura, originando uma espécie de eloquência própria e invulgar, conferindo um certo estilo cool aos personagens. Não podemos esquecer também uma pequena referência à literatura, pois o excerto do poema recitado por Stuntman Mike a Arlene chama-se Stopping by Woods on a Snowing Evening, da autoria de Robert Frost, poeta estado-unidense dos finais do século XIX, princípios do século XX.
Em termos técnicos, parece que Quentin Tarantino está cada vez melhor e isso nota-se na maneira como filma. Neste filme ele desempenha também a função de director de fotografia. Isto é importante referir, pois a qualidade da fotografia aumenta ao longo do filme. Temos, portanto, uma primeira parte a cores, muito má, cheia de falhas, com a falta de fotogramas e onde os cortes são mal executados. Tudo isto de forma propositada. A seguir passamos directamente para uma pequena parte monocromática, preto e branco, com excelente qualidade, onde Tarantino mostra as suas capacidades como director de fotografia. Nesta parte são introduzidas novas personagens, predominando um certo tom de mistério, dado pelo preto e branco. Passamos depois rapidamente para cor novamente, e esta cor já não é a mesma da primeira parte. Tem melhor qualidade e mais nitidez, apesar de continuar a haver falhas de continuidade, com a presença de alguns fotogramas a mais ou a menos. Uma palavra para a excelente montagem, servindo as ideias e os propósitos do realizador. O filme contém também excelentes sequências de acção. Tem umas das melhores perseguições de carros jamais filmadas e uma colisão frontal de cortar a respiração, extremamente violenta e visceral, onde os carros são personagens principais.
Quantos aos temas presentes no filme, eles não são nada novos em Tarantino. Cinema, sexo, mulheres, carros, violência, álcool, drogas e WCs. Cinema, porque quase todas as personagens trabalharam ou trabalham no mundo do cinema. O sexo está lá, não é explícito e a exploração da imagem feminina pela câmara é permanente como, por exemplo, na lap dance de Arlene a Stuntman Mike. Em relação ao álcool, drogas e WCs, nada a dizer. Estão quase sempre presentes nos seus filmes. Engraçado ver que o duplo que provoca a morte das raparigas na colisão frontal, não bebe um pingo de álcool. E claro, os carros, que são as personagens principais das sequências de acção e as “armas” geradoras da violência.
Mas então afinal o que traz de novo esta obra de Tarantino? Respondendo de forma curta e simples: nada. Mas por detrás deste «aparente vazio» está uma das suas obras mais interessantes. Isto porque mostra-nos Quentin Tarantino no seu melhor e igual a si próprio, logo, nada de novo. Por outro lado, a sua intervenção neste tipo de filmes série B, o seu peculiar estilo, torna o filme melhor do que ele realmente é, ou seja, o estilo de Tarantino eleva o nível da série B com À Prova de Morte, tornando-o, neste particular aspecto, inovador, fascinante e de culto.
Em jeito de conclusão e parafraseando George Clooney no anúncio publicitário da Nespresso, se aplicável ao cinema de Quentin Tarantino, seria algo assim: “Tarantino. Who else?”
À Prova de Morte é a sexta longa-metragem, em nome próprio, de Quentin Tarantino, um dos mais brilhantes realizadores estado-unidenses da sua geração. Um cinéfilo e amante da sétima arte como poucos, que transporta toda essa cultura cinematográfica para os seus filmes, criando imagens de marca, verdadeiros símbolos, características que o tornam num digno exemplo do cinema de autor. Entre as suas inesquecíveis obras, destacam-se Pulp Fiction (1994) e as duas partes de Kill Bill – A Vingança (2003-2004). Os diálogos são uma das suas maiores marcas cinematográficas. As temáticas giram sempre á volta de personagens fora-da-lei, onde a violência tem um papel importante. Reflexo duma sociedade violenta, num país dito desenvolvido e civilizado, proclamador da terra da liberdade. A linha narrativa de À Prova de Morte é bastante simples. Um duplo de cinema de filmes de série B assassina 5 raparigas com o seu carro à prova de morte, num violento acidente. Meses mais tarde repete a mesma brincadeira com outras raparigas. Mas desta vez, ele nem sabe no que se foi meter nem o que o espera.
Tarantino é daqueles realizadores que se parece com uma faca de dois gumes. Ou se ama ou se odeia (os seus filmes, entenda-se) e À Prova de Morte é um perfeito exemplo disso. Um filme que a crítica especializada venerou e ao mesmo tempo menosprezou. Mas afinal o que nos traz de novo esta obra do realizador estado-unidense? É exactamente o que queremos descobrir.
Primeiro que tudo, À Prova de Morte é uma clara homenagem ao cinema de série B, cinema de baixo orçamento que se fazia nos anos 60 e 70, sem algum propósito artístico e que explorava temáticas sensacionalistas, algumas delas bastante chocantes ou mesmo tabu, como o sexo e a violência, de forma muito gráfica e explícita e que não passava no cinema mais comercial da altura. Este tipo de filmes passava nos antigos cinemas de bairro (ou cine-teatros), muitas vezes em sessões duplas contínuas. As salas que projectavam este tipo de filmes passaram a denominar-se Grindhouse, um vocábulo sem tradução para outras línguas, que passou a caracterizar este tipo de cinema. Os géneros eram os mais variados possíveis, desde western spaghetti, eróticos, horror, crime, mistério, filmes de canibais, de kung fu, de motoqueiros e de carros, zombies, mulheres na prisão, etc. Outra característica deste tipo de filmes era a qualidade da fita, que reflectia a qualidade do filme. Os riscos e a falta de fotogramas eram constantes, devido ao desgaste da fita provocado pelo extremo uso. Note-se que À Prova de Morte pertence à segunda parte da sessão dupla de cinema Grindhouse. A primeira parte foi assegurada pelo grande amigo de Tarantino, Robert Rodriguez (que o convidou para este projecto), com um filme de zombies chamado Planet Terror (2007).
Mas as homenagens não se ficam por aqui. As referências a filmes e séries de culto são uma constante. Exemplo disso é a conversa de Stuntman Mike com algumas raparigas no bar, sobre os filmes em que tinha participado como duplo, dos quais as raparigas desconheciam por absoluto. Outras referências são os seus filmes. O carro amarelo e preto que aparece na segunda parte do filme é uma clara alusão ao fato usado por Uma Thurman em Kill Bil: Vol. 1 – A Vingança (2003). Outra das marcas autorais, que já foi mencionada acima, e talvez a mais importante de todas e a que mais sobressai nos seus filmes: os diálogos. A palavra em Tarantino é fundamental. Os diálogos são simples, banais e ao mesmo tempo sofisticados, cheios de repetições, com bastante calão e humor à mistura, originando uma espécie de eloquência própria e invulgar, conferindo um certo estilo cool aos personagens. Não podemos esquecer também uma pequena referência à literatura, pois o excerto do poema recitado por Stuntman Mike a Arlene chama-se Stopping by Woods on a Snowing Evening, da autoria de Robert Frost, poeta estado-unidense dos finais do século XIX, princípios do século XX.
Em termos técnicos, parece que Quentin Tarantino está cada vez melhor e isso nota-se na maneira como filma. Neste filme ele desempenha também a função de director de fotografia. Isto é importante referir, pois a qualidade da fotografia aumenta ao longo do filme. Temos, portanto, uma primeira parte a cores, muito má, cheia de falhas, com a falta de fotogramas e onde os cortes são mal executados. Tudo isto de forma propositada. A seguir passamos directamente para uma pequena parte monocromática, preto e branco, com excelente qualidade, onde Tarantino mostra as suas capacidades como director de fotografia. Nesta parte são introduzidas novas personagens, predominando um certo tom de mistério, dado pelo preto e branco. Passamos depois rapidamente para cor novamente, e esta cor já não é a mesma da primeira parte. Tem melhor qualidade e mais nitidez, apesar de continuar a haver falhas de continuidade, com a presença de alguns fotogramas a mais ou a menos. Uma palavra para a excelente montagem, servindo as ideias e os propósitos do realizador. O filme contém também excelentes sequências de acção. Tem umas das melhores perseguições de carros jamais filmadas e uma colisão frontal de cortar a respiração, extremamente violenta e visceral, onde os carros são personagens principais.
Quantos aos temas presentes no filme, eles não são nada novos em Tarantino. Cinema, sexo, mulheres, carros, violência, álcool, drogas e WCs. Cinema, porque quase todas as personagens trabalharam ou trabalham no mundo do cinema. O sexo está lá, não é explícito e a exploração da imagem feminina pela câmara é permanente como, por exemplo, na lap dance de Arlene a Stuntman Mike. Em relação ao álcool, drogas e WCs, nada a dizer. Estão quase sempre presentes nos seus filmes. Engraçado ver que o duplo que provoca a morte das raparigas na colisão frontal, não bebe um pingo de álcool. E claro, os carros, que são as personagens principais das sequências de acção e as “armas” geradoras da violência.
Mas então afinal o que traz de novo esta obra de Tarantino? Respondendo de forma curta e simples: nada. Mas por detrás deste «aparente vazio» está uma das suas obras mais interessantes. Isto porque mostra-nos Quentin Tarantino no seu melhor e igual a si próprio, logo, nada de novo. Por outro lado, a sua intervenção neste tipo de filmes série B, o seu peculiar estilo, torna o filme melhor do que ele realmente é, ou seja, o estilo de Tarantino eleva o nível da série B com À Prova de Morte, tornando-o, neste particular aspecto, inovador, fascinante e de culto.
Em jeito de conclusão e parafraseando George Clooney no anúncio publicitário da Nespresso, se aplicável ao cinema de Quentin Tarantino, seria algo assim: “Tarantino. Who else?”
(10-01-2007)
2 comentários:
Uma nota muito positiva ao blogue, que para os leigos cinematográficos, serve como uma excelente muleta!!
Obrigado pelo apoio, Pedro. Eu sabia que o pessoal de Património não me ia desiludir. O vosso apoio é fantástico, ehehehe. Espero que o blogue passe de muleta a bengala e vou-me esforçar para isso.
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